domingo, 27 de dezembro de 2009

Troca de palavras

Eu sei que não participo de tudo. Ser assim analista me confere algumas consequencias indesejáveis. Pra maioria das pessoas pelo menos. Alguns não entenderiam o porque de eu estar olhando na janela, imóvel, firme, rígida, enquanto o pior acontecimento do ano pode estar acontecendo, deixe-me ser redundante.

Alguns, talvez, inflariam, meteriam os pés pelas pernas, pelas mãos, pela cabeça. Alguns sairiam correndo do apartamento direto para as escadas, sem levar em consideração a existência do elevador. Seriam tão impulsivos, que acabariam perdendo o gosto da racionalidade. Eu não. Não há produção de adrenalina em mim. Não há restinho de vontade de chorar. É, no mínimo, divertido observar.

Ele agora sorri, abraça meio de lado, como quando a gente vai rindo e vai caindo. Aí ela pára, levanta o olhar, balbucia algumas poucas palavras com os olhos, não entendíveis pra qualquer outro ser humano que passasse por ali, ao menos que ele tivesse vivido exatamente a mesma situação. Ele coloca pra trás da orelha o fio de cabelo fora do lugar, guarda as maçãs do rosto dela com as mãos e dá um beijo sem resposta, a não ser pelo sorriso incrivelmente maravilhoso. Sinaliza um táxi, paga antes mesmo de ela saltar no seu destino, e sobe as escadas da portaria correndo pro meu apartamento.

Eu estaria no escritório, se não fosse tão divertido olhar as folhas das árvores caindo pela janela em pleno outono. Pela minha janela. A cidade estava tranquilamente satisfeita com o final da tarde ainda claro. Voltei pra casa antes pra ver o espetáculo que era o Central Park perdendo algumas folhas secas. Caso alguém entenda o Central Park, o outono, as folhas secas. Caso alguém se divirta observando o fascínio da natureza humana.

Continuei imóvel em relação ao mundo. Fingi não ter ouvido o barulho da chave. Embora ele estivesse tentando entrar, abri a porta debaixo de um silêncio ensurdecedor, vendo-o colocar a mão na cabeça como quem diz: essa é a chave desse apartamento? Não estava nada sedurora, como de costume, segundo ele. Short e camiseta são mais do que necessários dentro de casa. Ele me olhou, como quem olha pra uma delicatessen sem poder entrar e comer. Tentou a desculpa de que confundira as chaves, sem saber que eu havia trocado a fechadura. Mas o celular dele o entregou quando ele atendeu olhando pra mim com tom de desespero e antes de que se despedisse, fechei a porta sem trancá-la por dentro, o que fê-lo pensar que já sabia de tudo e não fazia a menor questão de discutir.

Consegui distingui o som do celular fechando e caindo no chão do som dos passos em direção ao elevador. Eu não sairia de casa nesse dia. Ficaria degustando a visão dele saindo do prédio na direção oposta à casa dela. O cheiro do início da noite me conforta integralmente. E me intriga confortavelmente. Ter janelas abertas com proteção contra chuva faz bem a qualquer um.

Voltei a vê-lo no aeroporto quase 15 dias depois. Estava voltando pra casa escoltado por policiais. A denúncia é de que era imigrante ilegal. Fiz questão de chegar mais perto pra ver a cena em câmera lenta, e ele entrar no avião cabisbaixo, levantando o olhar apenas para o comissário. E pra trás, encontrando o meu olhar frio e tenso. A rigidez e a imobilidade vieram è tona, e eu não me dei conta de que estava sendo chamada pro meu vôo. Por um minuto eu perderia o meu avião e a melhor oportunidade de férias que jamais tivera. Voltei pra casa, encontrei em algum lugar escondido meu anel de noivado. Olhei para aquele brilhante verdadeiramente falso de sentimentos, e lancei-o em direção à minha janela. Pensei que férias haveriam outras. Decidi que poderia trocar o dia do vôo se tivesse uma desculpa bem contada. Mas o cheiro de fim de tarde no Central Park me fez descer, e encontrar a minha aliança junto à dele perto do canteiro da calçada sem qualquer aviso prévio. Não dei a menor importância para o fato de elas estarem juntas ali e entrei no meu lazer preferido.

Poucos dias depois, recebi dois telefonemas no celular dele, que sem me dar conta ainda estava em casa depois que encontrei-o no chão. Um era de uma casa de festas, perguntando se a festa se confirmaria e outro da mulher pra qual ele pagou o taxi de volta, querendo saber os motivos do término do caso, e que ela era muito melhor do que eu. Eu ainda não tinha parado pra pensar no fato de que quando a raiva sobe, a visão muda, e que eu não havia visto aquela mulher entrar no taxi sem vontade. Não tinha me dado conta de que eu estava, sim, produzindo adrenalina. E que aquele olhar de delicatessen não tinha ela ou eu como motivo, ele só era um olhar surpreso, por ele não conseguir abrir a porta e por ele me encontrar ''saindo''como quem não quer nada. Eu desconfirmei a festa, não liguei de volta pra mulher e desci correndo, sem levar em consideração a existência do elevador, quase fui atropelada por uma moto que eu não vi e parei em frente o Canteiro das Alianças. Elas não estavam mais lá. Ele não estava mais aqui. Nem em qualquer outro lugar ao meu alcance. Pela primeira vez, eu meti os pés pelas pernas, pelas mãos e pela cabeça.

No dia 26 de outubro talvez ele estivesse legal aqui. Talvez eu estivesse casada. Talvez nós poderíamos ter sido felizes.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Intensidade

Amada linda, és linda. E és tão lindamente linda, que não há mais linda canção que consiga defini-la, tamanha sua beleza.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009


Não sei se meu comentário vai ser tão impactante quanto a imagem - óbvio que ela só é pra quem tem o mínimo de sensibilidade -, mas eu espero que sim.


Já ouvi dizer que ser branco é ter uma força imensurável sobre aqueles que ''não são humanos'', é ser maior, melhor, mais aparentado, mais desenvolvido, mais humano. A história da humanidade me permite brincar com o sentido da palavra. Essas pessoas, ao meu ver, não têm nada de humano. Ser gente não quer dizer ser humano. Uma simples foto consegue remeter a mim o nojo que eu sinto em olhar qualquer símbolo que signifique a superioridade. Ou melhor, que finja superioridade. Um alguém que é capaz de não sentir o outro, de não se colocar no outro não pode saber o que é humanidade. Não pode saber o que é ser superior caso isso exista. Alguém que violenta o outro, sexual ou psicológicamente não pode saber o que é sentimento puro. Não sabe o que é ser livre, não sabe o que é ser simples, nem o que é Respeito, o que é Tolerância, o que é o Outro. As diferenças existem justamente porque somos iguais. O que é verdade. Fomos ''inventados'', por alguma teoria louca, diferentes para sabermos aceitar aquilo que há de único. Aquilo que em cada um que nos faz coexistir. Infelizmente a coexistência não é pacífica. Não existe essa coisa de crer que é assim porque tem que ser assim. Eu, particularmente não acredito na mudança total das populações para um bem comum. Mas eu, especialmente, tento fazer minha parte quando eu vejo alguém que peca contra um animal, que se sente no direito de machucá-lo porque é um animal. Assim como uma criança, como um idoso, como as plantas, como qualquer coisa que esteja viva e não viva!
Se indignação realmente fizesse diferença, hoje todos nós sairíamos às ruas, colocaríamos nossas manguinhas de fora, assim como fazemos quando o banco erra nas nossas contas, ou quando uma loja não nos dáo produto de qualidade. Será que nós pensamos nas pessoas que sofrem pra produzir aquilo? Como são mal pagas? Algumas trabalham como escravos! E somos incapazes de praticar a gentileza quando há algum deficiente dentro de sala ou na rua.
Existe uma diferença enorme entre Utopia e Realidade.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Não sei se eu saberia viver tão bem acompanhada como vivo sozinha. Para quem não sabe, tenho o prazer informar que estar sozinho não é ser sozinho. E que namorar não é estar cem por cento do tempo acompanhado. Às vezes as pessoas se desligam do mundo quando namoram e isso é muito singular. Depende do mundo, depende de quem namora, depende do motivo.

Durante muito tempo eu invejei aqueles que conseguiam dar uma reviravolta na vida em um mês, enquanto eu demorava mais de um ano. A indecisão é uma coisa tão irritante que eu me irritava por levá-la a sério. Hoje eu apenas sou indecisa, não preciso me irritar mais. Já sei que sou assim.

Ser assim não quer dizer ter um padrão, - acho que hoje eu vou me estender muito mais do que eu pensava -, mas se ter um padrão quer dizer ter um padrão único, o seu padrão, então tá valendo. Os meus estudos de História Política brasileira acabaram se convertendo num monte de coisas na minha cabeça, que foram confirmadas pelos professores de Geografia Política e Literatura. O conservadorismo não se restringe somente ao comércio, à produção e à política. Ele é abrangente, é cultural, é famíliar. Eu demorei, sem dúvida, menos tempo que os produtores de café pra perceber isso. Mas percebi tarde mesmo assim.

Sou conservadora, sim. Armem uma Assembléia os que quiserem discutir que isso é idiotice. Era o tempo da minha avó que os amantes ainda tinham a delicadeza, ou a vontade, de conquistar alguém. Não que existisse uma fórmula de conquista ou um copo de chopp pra bater um papo, existia estímulo, autoconfiança, sentimento mesmo, sei lá. Hoje em dia as coisas se tornaram tão banais. A minha vó me contava que ela se casou com o menino mais paquerado da escola, que jogava no time de volêi, e que eles demoraram tempo pra juntar os panos. E que as amigas dela ficavam loucas por ele ser bonito, ''esportista'' e ter um quê de sedução. Eu falei com ela no telefone esses dias e ela falou que com a minha idade ela já estava casando, ou melhor, casada, grávida da minha tia. Agora comparemos: naquela época, do conservadorismo, do bolero, do rosto colado, as mulheres se casavam por que era uma coisa social. Era terrível ficar pra titia. Hoje, engravidar com 18 anos é uma loucura, que dirá com 14. Sabe porque? Porque na época da minha vó neném, as pessoas ainda tinham algum apresso pelas outras. Ou pelo menos grande parte do mundo que ela viveu. Os filhos eram criados pelas mães amorosas, cujo dever era repassar os ensinamentos. Hoje, ter filho aos 18 é pedir pra avó cuidar, porque tem aniversário de fulaninho e vamos sair pra tomar um chopp.

É complicado. Eu sinceramente faço parte do grupo da ''ética e amor pelas crianças'', apesar de eu detestar aquelas coisas miúdas que se acham gente grande, eu ainda penso que colocar filho no mundo é uma questão se suporte. Me chamam de mal amada porque eu não quero ter filhos, justamente porque eu pretendo trabalhar muito, viver minha vida sem um filho pra prender - me desculpem as futuras mamães otimistas, filho prende e é chato educar -, porque eu acho muito melhor colocar uma criança indefesa no mundo e dar amor, dar o carinho necessário e não se presentear com uma babá de Natal porque se quer viajar com o marido. Além disso, eu me conheçoo suficiente pra saber que eu não seria presente na vida do meu neném. Nem na vida do meu marido.

Gente, eu no auge da minha juventude como diz minha tia, detesto ter que dar satisfação pra pai, pra mãe, até pra cachorra eu tenho que dar ''tchau'' quando eu saio de casa pra escola e dizer ''já volto, tá?''.Imaginem-me com um marido me seguindo no celular, querendo saber onde eu estou? Sem chance. A não ser que meu marido pense exatamente igual a mim. Aí a gente muda o rumo da prosa.