terça-feira, 19 de janeiro de 2010

1.

Estava sentada numa mesa pra dois. O restaurante estava bem iluminado, o estilo clássico, com cores pasteis e calmas, detalhes dourados e a mesa milimetricamente posta. Havia dois pratos com copos e uma mulher sozinha. Talvez quem me olhasse poderia pensar que estava esperando por alguém, mas se surpreenderia quando reparasse que eu já estava jantando. Resolvi me arrumar sem motivo. Combinei o ambiente Clássico com uma aparência moderna. Estava dentro de um vestido preto liso, que ia do decote do meu pescoço aos meus joelhos. Era cavado nas costas, sem ser abusivo. O cabelo estava preso, num alfinete gigante brilhante e singelo.

Não fazia a menor idéia do que eu estava fazendo aqui. O lugar não tinha nada a ver comigo. Não estava com roupas cabíveis. Fui como quem vai a uma reunião de amigos e não tinha idéia do porquê de ela ser ali. O pé direito era alto, o acabamento da porta de entrada era em jacarandá, ela era de vidro, que abriram automaticamente quando eu entrei. Era espaçoso, brilhante e claro, calmo e discreto. Era o melhor lugar pra se combinar um jantar e não uma reunião. Contudo, dentre todos os detalhes miúdos e iguais, devido às cores, um ponto preto me chamou atenção. Tentei deslumbrar daquela visão das costas ligeiramente torneadas, abaixo do cabelo preso num coque. Poderia ficar ali mais alguns minutos, até me perguntarem no que poderiam ajudar.

Eu, sinceramente, desisti de esperar. Mesmo arrumada sem motivo, afinal, não haveria quem impressionar, pedi que retirassem meu prato, ordenei um copo d'água que me foi trazido rapidamente. Acompanhei cada detalhe e cada passo pensado entre o espaço do que deveria ser a cozinha e a minha mesa. Assustei-me com metri do restaurante, que punha as mãos na cadeira e inclinara-se para informar sobre meu acompanhante - que eu não esperava - e me disse que a mesa também havia sido reservada em seu nome. Não analisei. Eu detesto ficar sozinha em lugares desconhecidos. Por não ser nem um pouco corajosa, eu me apego às pessoas como guias do cotidiano. Concordei em deixá-lo sentar, afinal, já estava de saída.

A mulher que me abordou na porta me encaminhou até um homem bem aparentado, alto, que me levou até minha mesa. Quando colocou as mãos atrás da cadeira da mulher que havia visto, percebi que informou-lhe quem eu era, e que já havia jantado. Com sua permissão sentei, com absoluta timidez por não conhecê-la. Podia jurar que estava mais rosado que qualquer outro detalhe do restaurante. Ela olhou pra mim e pediu-me licença, e eu perguntei se ela estava esperando alguém, pois havia ocupado o lugar. Me respondeu com um ''sim'' envergonhado, disse que uma amiga a tinha convidado pra conhecer o restaurante, mas que aconteceu algum imprevisto. Comentei que também havia sido convidado por um amigo, que não via há algum tempo.

Com o olhar baixo, procurando o cartão de crédito na bolsa, pude ouví-lo me perguntar se havia incomodado, pois eu poderia estar esperando alguém. Levantei os olhos, abaixo da maquiagem discreta, e fitei-o, não sei se foi um segundo ou dois minutos. O cabelo bagunçado denunciava um ar esportivo ou espontâneo. A face era quadrada, possuidora de olhos cor de mel, ou castanho claro, não sei bem. A barba estava mal feita propositalmente. Fiz que sim, e informei que esperava uma amiga, mas que por algum incidente não comparecera. Baixei o olhar novamente, e levantei-o somente quando o garçom trouxe quanto deveria pagar. Para iniciar uma conversa, ele me contou que também havia sido convidado por um amigo que não via a bastante tempo, e quando percebeu que eu estava pagando minha conta, fui interrompida com uma mão. O garçom inclinou-se para atender meu acompanhante inesperado, ignorando-me completamente. Dei um sorriso sem graça, objetei, mas fui vencida pelo movimento das mãos me dizendo ''eu faço questão de assumir''.

Sua timidez parecia ainda maior que a minha. Com o olhar baixo, olhei para a franja do cabelo que havia escapulido do resto do penteado. Era liso e fino. A boca, delineada, e os olhos chamativos. Era impossível não prender-se a eles. Vi que o garçom chegara com uma bandeja e que ela se colocou no posto de independente. Apesar de não fazer idéia do quanto tinha gasto ali, interrompi, fiz questão de pagar. Ela agradeceu, disse que não precisava, mas fiz com que o garçom a ignorasse completamente.

Apesar de já ter jantado, aceitei o convite para acompanhá-lo. Não prestava um minuto de atenção no que ele falava, apenas no movimento da boca e dos músculos da face que a regiam. À primeira vista, era perceptível nele um ar agitado e livre. Ao contrário de mim, regrada e quieta, ele falava de todos os lugares que eu havia estado, apesar de não me lembrar dele. Procurei na memória pessoas que poderiam ter me acompanhado e, depois de fazer uma pequena lista em minha mente, descobri que Alice e Tom começaram a namorar numa dessas viagens. Eu ia matar Alice quando a encontrasse.

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