sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

2.

É claro que eu continuava tensa. Não sei porque, mas eu ainda estava ali sentada olhando pra ele. Comecei a perceber os assuntos. Ele falava de mim como se já tivesse me visto muitas vezes, o que não deixava de ser verdade. Estava com as bocas cerradas, mexendo no guardanapo que fora trocado.

-Desculpe, sei que interrompi.
-Não, de forma alguma, eu já estava de saída.
-Não vai ficar? Acabou de pedir uma sobremesa...
-Claro, me desculpe, estou atordoada hoje.
-Talvez você possa pensar que eu já sabia de tudo, mas faço questão de informar que também fui enganado.
-Eu vou matar Alice quando chegar em casa, sibilei.
-Como?
-Nada, estou um pouco envergonhada pela situação.

Tudo que poderia ter dado errado no mundo aconteceu especialmente naquele dia. Eu tinha dado uma volta imensa pra chegar ao trabalho, porque houve um acidente na Avenida Principal, ou seja, chegaria ao trabalho atrasada. Ainda mais porque saíra da casa de Alice, meu apartamento estava em reforma. Não que o Grand Pallace Hotel me puniria, afinal sou uma das sócias, mas eu tinha cerca de um zilhão de folhas de pagamento pra revisar. Meu pneu furou, assim que imbiquei o carro no estacionamente, e portanto, atrapalhei a circulação pra dentro do Hotel.

-Quer ajuda Dona Raquel? Postrou-se o porteiro da frente, Seu Emanuel. Um senhor alto, até em forma, devido às caminhadas que fazia depois do expediente no Hotel. Era comum eu encontrá-lo quando voltava pra casa pela Avenida da Praia.
-Quero sim, muito obrigada, estou completamente às avessas hoje.
-Não tem problema,pode ir que eu coloco o carro pra funcionar.

O incidente do carro só não foi o pior, porque ao meu lado no restaurante, sentava-se uma senhora, robusta, tinha as bochechas infladas e vermelhas, não sei se por excesso de blush ou por ser estufada mesmo, que acabara de deixar a taça do Vinho do Porto que tomava cair do chão. Num restaurante tranquilo e silêncioso, qualquer alfinete que desprenda de uma blusa é motivo pra espanto.

- OH, CÉUS! Exclamou assim que esbarrara na taça, antes que caisse no chão.
-Por favor, deixe-me ajudar a...

E antes que pudesse demonstrar qualquer ajuda, a mulher de terninho rosa em conjunto com a saia havia se levantado, e esbarrado na bandeja do garçom. O som de talheres, pratos caindo no chão, e o cheiro que a Ceasar Salad, temperada com pimenra e pedaços de rosbife ficou entrenhado em minhas costas até chegar num lugar limpo, seco, calmo e longe de alvoroços.

-Minha querida, me perdoe... não tive a intensão de incomodá-la.
-Raquel, deixe-me ajudar. Levantou aquele deus do Olimpo em forma de homem com um guardanapo na mão.
-Está tudo bem, a senhora pode ficar despreocupada, eu já estava indo embora.

Eu nem tinha me dado conta de que a sobremesa já viera e virara caldo de sobremesa com Ceasar Salad. É um disperdício, tenho que adimitir, misturar Rosbife com um delicado Petit Gateau.

-Eu te levo pra casa. Comunicou meu parceiro de viagens desconhecido
-Não é necessário - disse eu, abrindo a bolsa sem encontrar as chaves do carro e lembrando de que viera de taxi - o motorista do taxi está me esperando - menti - não precisa se incomodar.
-Não será incômodo.

Era realmente difícil acreditar de que ele não estava dentro da quadrilha que formaram pra me atingir. Nessa altura eu estava um verdadeiro jantar em forma de gente, roxa de vergonha, sem duvida nenhuma. E com uma situação inesperada à minha espera.

Nunca tinha sido levada pra casa por um estranho, no máximo amigos, mas eu normalmente servia de motorista até a minha casa que era um verdadeiro hotel de amigos não-pagantes e beberrões. Mas agora, por que diabos eu tinha vindo de taxi? Nem sei porque eu deixei o carro em casa. Tinha uma criatura de um metro e oitenta e pouco do meu lado, servindo de aparador pra que eu pudesse andar de salto até seu carro. Em súbito, lembrei-me de que ia para a casa de Alice depois do jantar, porque meu apartamento estava em reforma e combinamos de resolver nossas férias na ilha. Por alguns segundos, o meu coração saiu do peito e foi até a boca, num palpitar sem fim. Minha boca estava seca, exatamente quando fui para a casa de Alice, há uns 6 anos, e ela me deixou fazendo companhia para o garoto que eu achava que ia ser meu marido. Que bom que ele não foi aprovado no teste. Mesmo que eu não tivesse experiência. Ele tinha um cheiro horrível de cigarro.

Em contraposição, estava ele, com um cheiro característico de Azzaro, uma blusa caqui de manga três quartos, no estilo bata masculina, de calça jeans e tênis, com o cabelo ainda mais bagunçado, me carregando pelo braço. Nem tinha reparado que eu olhava pra ele fixamente.

-Se olhar muito eu quebro.
-Oi? Acordei.
-Nada, está tudo bem com você?
-Desculpe, como é mesmo seu nome?
-Eduardo, fique a vontade com os apelidos. Sorriu um sorriso encantadoramente branco.
-Obrigada, ah... Eduardo. Não sei como dizer, bom, é que Alice... Quer dizer, eu ia dormir da casa de Alice hoje, meu apartamento está em reforma...

Hoje era quinta feira e Alice dava plantão no hospital a Oeste da cidade, Deus, como eu poderia ter esquecido?! Era verão, os pequenos hotéis estavam cheios, minha experiência em coordenar eventos hoteleiros sabia disso. Não tinha como eu ir para o Pallace. Às vezes eu me pergunto porque é que eu não faço as coisas como devem ser feitas. Durante a semana anterior inteira Alice me avisara de que havia chaves reservas no corredor da cozinha. Eu poderia apanhá-las quando fosse necessário. É claro que não usei uma vez sequer, afinal encontraria com Alice todos os dias durante um mês e jantaria com ela hoje. Não restava dúvidas, eu montaria um plano de ataque contra Alice.

-Tem certeza de que está tudo bem com você? Perguntou-me abrindo a porta do carona. Não sabia que homens assim ainda eram fabricados.
-Olha, Eduardo, não é? Não pense que estou de acordo com tudo isso. Quer dizer, não fico confortável nesse tipo de situação. Alice está no Hospital, dando plantão - falava tremido e olhando pra baixo, gesticulando forte - infelizmente tudo deu errado nesta quinta-feira e - ele já havia ligado o carro e o ar condicionado, o perfume perfeitamente escolhido tomava conta do ambiente, que agora estava ao som de John Mayer.
-Bom, espero que não se incomode em dormir na minha cama. Qualquer um perceberia seu estado de nervosismo, não precisa me explicar.

Acho que eu não tinha mais franja. Bem que meu irmão falava que eu devia fazer alguma terapia, ficava nervosa constantemente, em qualquer situação fora do comum. Felipe chegou a roubar minha agenda há uns 3 anos e eu fui obrigada a dormir sob efeito de calmantes. Odiava sair da rotina.

-Dormir aonde?
-Dormirei na sala, não se preocupe. Disse ele com uma voz musical num tom despojado, que provocou o equilíbrio na minha respiração e um meio sorris. Adorava pessoas assim. Gostaria muito de ser como elas.

-Não sei se você percebeu, mas você está com cheirinho de salada.

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