segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O verde súbito da verdade

Saí de casa muito cedo. Não tão cedo de manhã, cedo de antes da noite. Eu ia andar no calçadão, mas eu ouvi um fio de vento me chamando pra perto do mar. não podia deixar de ir, era um sopro musical de vento, me fazia ignorar todo o buchicho em volta. ainda tava claro quando eu tirei o chinelo e coloquei os pés na areia. ela estava geladinha, e o mar calmo. eu andava um pouco pensativa ultimamente, claro, esse é o principal motivo pra eu estar chorando.naquela hora que você falou comigo eu não sabia que era você. eu te chamei pelo nome mas eu não reconheci sua voz. eu devia estar sentindo você ali. não esperava que você fosse me achar no meio daquela tarde cheia de gente e bolas e areia tudo... quando você conversou comigo eu estava exatamente no mesmo lugare do mesmo jeito de quando eu sentei. a marisia estava me falando alguma coisa que eu não conseguia entender, e não ia sair dali sem conseguir entender.eu não reconheci sua voz e nem sabia que era você porque achei que estava conversando com o mar. era tudo igual. não estava ouvindo palavra de gente do meu lado, só palavras de mar. minha boca cerrada indicava minhas reações internas: eu não tinha nenhum tipo de reação. estava vazia, é certo, de sorte que ainda estava muito confusa. você deve ter ficado bastante nervoso quando não ouviu nenhuma resposta minha. mas eu explico, não sabia falar lingua de gente, só linguade mar. eu sabia que você tinha me levantado, e me perguntou o que estava acontecendo. eu respondi quando eu olhei pra você com uma lágrima na ponta do nariz. você ficou calado, então deve ter entendido. não sei como é ver de fora, mas na hora que eu deitei na sua cama, eu parecia um bebê. você tava sentadinho no chão, com a testa apoiada na beirada da cama, segurando minha mão, como se eu fosse a pessoa mais indefesa do mundo. e era. eu sabia que o oceano poderia me defender, por isso que ele estava segurando a minha mão. não sei porque que eu não conseguia fechar os olhos. o choro pesado escorria pelas maças do rosto e não era necessário piscar pra me livrar das lágrimas. a dor era densa, autônoma e respondia por mim. achei um pontinho na sua colcha, deve ser poeirinha de tecido quando lava, me apeguei a ele. olhava pra ele fixamente como se conversássemos e nos entendessemos muito bem. ele era azul. tinha uns fiozinhos bem fininhos grudados na colcha,parecia que ele se agarrava pra não sumir. cada movimento que eu fazia você me acompanhava com a cabeça. eu sei que você não entendia meu silencio, deve ser muito estranho passar mais de três horas com alguém chorando sem falar. mas você me entendeu. me entendeu tanto que eu fui crescendo. minhas pernas estavam cruzadas bem junto ao peito, eu tava deitada de lado com a cabeça nos antebraços e as mãos nas suas mãos a uns trinta graus do meu ombro e você encostado na parede. agora, elas estavam mais afastadas, eu estava mais atenta, mais emotiva e mais observadora. fixei meus olhos vermelhos e inchados de choro nos seus olhos verdes que doiam. eu podia imaginar mil coisas neles: podia ver uma arvore, até duas, e contar uma infinidade de árvores até formar uma floresta, um bosque, alguma coisa fechada e misteriosa; poderia imaginar uma piscina natural, dessas que a gente acha perdida quando faz uma trilha, que tem a cor da terra habitada por mim e por você. eu só conseguia olhar pra um verde, de um olho só, porque o outro me consumia, pedia pra eu me entregar por inteiro. ficava desvendando minha vida dentro deles, ainda sem consegui parar de chorar. e aí passou uma brisa de início da noite, balançou a cortina, o quarto foi escurecendo e seus olhos cada vez aparecendo mais. agora eles brilhavam muito mais que qualquer estrela. parecia que você tinha a lua no olhar e não satisfeito em me prender com um, você consegue me prender com ou sem olhar. aí, eu já tinha crescido mais, minhas pernas estavam todas esticadas, com o corpo ainda de lado, e você estava na minha frente a um bom tempo já. não queria sair dali. conversamos uma infinidade de assuntos sem dizer uma palavra. nós rimos e choramos juntos por muito tempo só pelo toque das mãos. aí eu me levantei, súbito, como se não reconhecesse o lugar. olhei pra você assustada sem saber quem você era. olhei em volta, vi suas fotos, vi seus livros, seus quadros. cheguei a pensar numa música no violão, mas não conseguia entender porque... quando eu me encontrei no seu verde absoluto, eu me prendi, saí de mim e me coloquei em você, e você me aceitou, comosempre esteve ali e sempre me ouviu, sempre me entendeu. eu me joguei no seu abraço fundo, me senti amarrada pelos seus cotovelos na cintura e cuas mãos no meu quadril. consegui sentir a ponta do seu nariz procurando o meu, o desvio que ele fez pra encontrar o canto da minha boca, e desmaiei acordada quando você me beijou.

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